Estava cansada. Não dormia bem fazia um longo tempo e tinha envelhecido duas vezes mais. Olhei para ele, sentado naquela pequena poltrona azulada lendo um livro. Seu cabelo estava enorme e precisava de um corte, seus olhos mudavam do amarelado para o mel e já conseguia esconder suas presas.
Quanto tempo havia passado? Dez anos? Nem pude acreditar. Dez longos anos escondidos. Ele já começava a me perguntar coisas como "Porque sempre dormimos em lugares diferentes?" ou "Onde está meu pai?". Doía meu coração ouvir daquele pequenino com olhos cor de ouro as perguntas mais difíceis que alguém já me fez.
Mas era hora. O tempo estava acabando e eu precisava contar a ele. Me aproximei da poltrona e acariciei os cachos que se formavam. Eram idênticos aos meus. Sorri e beijei o seu rosto com cuidado. Ele fechou o livro e me encarou, minha atitude o pegou de surpresa e ele ficou envergonhado por deixar que os dentes ficassem a mostra.
- Tudo bem, meu amor, está tudo bem. O que a mamãe te falou? Respire fundo.
Ele fechou os olhos e respirou fundo. Foram alguns minutos gastos até que voltasse ao normal. Ele tateou os dentes para ter certeza de que estavam onde deviam estar.
- Eu preciso te contar algo, então ouça com muita atenção, certo?
- Certo.
Me sentei de frente para ele, seu corpo pequenino era engolido pelos grandes braços da poltrona. O relógio apitou: meio dia. O tempo estava acabando.